Pouco despois de assumir a Presidência em 2009, Barack Obama participou de uma Cúpula das Américas em Trinidad e Tobago, com 34 países, onde ele prometeu “uma nova era de parceria” entre as duas metades da região, em vez dos “debates insípidos e velhas ideologias”. Honrar sua promessa não foi fácil: Obama tinha outras prioridades, tanto no exterior como em casa, e os acontecimentos na região, como um golpe em Honduras apenas dois meses após a cúpula de Trinidad, reacenderam alguns daqueles velhos debates. Não obstante, o governo tomou algumas iniciativas modestas na América Latina. Mas hoje a nova parceria corre o risco de ser vítima das lutas partidárias em Washington. (The Economist – 12/09/2011)
Em julho, a maioria republicana em um comitê da Câmara dos Deputados eliminou a verba para a Organização dos Estados Americanos do orçamento para o próximo ano. Os conservadores não gostam do secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, um social-democrata chileno que eles acusam de cumplicidade com ameaças à democracia e à liberdade de imprensa por autocratas de esquerda como Hugo Chávez, da Venezuela. Os republicanos também usaram seus poderes para barrar indicados pelo governo para cargos diplomáticos que eles consideram conciliadores demais em relação a Chávez e seus amigos. Ao mesmo tempo, embaixadores americanos foram expulsos da, ou não aceitos na, Venezuela, do Equador e da Bolívia.
Há muitas críticas que podem ser feitas à OEA e a seu secretário-geral. A posição exagerada de Insulza sobre Honduras – ele pressionou por sua suspensão imediata da organização – possivelmente dificultou um acordo negociado para o conflito entre seguidores e adversários do presidente deposto Manuel Zelaya. Semanas antes, Insulza havia irritado o governo Obama ao pressionar pelo fim da suspensão de Cuba da OEA, vigente há meio século (embora ela não tenha regressado). Sobre essas questões, Insulza refletiu a opinião da maioria na América Latina. Ele se manifestou contra Chávez em várias ocasiões. Na verdade, a OEA ainda é considerada pela esquerda latino-americana um cãozinho de estimação dos “ianques”. Enquanto os clubes latino-americanos proliferaram, a OEA permanece o único organismo diplomático regional que inclui os Estados Unidos. E algumas partes dele, especialmente a Comissão e Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, fazem um trabalho valioso em defesa da liberdade e da democracia. Por esses motivos os democratas que controlam o Senado poderão restabelecer as verbas anuais de 49 milhões de dólares que os Estados Unidos dão à OEA, que representam cerca de 60% de seu orçamento total. Mas poderão fazê-lo com relutância. “Os republicanos sentem que o governo está em uma situação difícil sobre a OEA”, segundo Michael Shifter, do grupo de pensadores Diálogo Interamericano. A OEA não inspira confiança em Washington, mas cortá-la se afastaria do compromisso do governo com o multilateralismo, ele diz.
Mais preocupante é o destino dos acordos de livre-comércio com a Colômbia e o Panamá negociados sob George Bush. Muitos democratas não gostam deles, principalmente em questões de protecionismo, mas também pelas preocupações sobre assassinatos de sindicalistas na Colômbia. Em consequência, foi somente em abril que Obama disse estar preparado para pedir que o Congresso aprovasse os acordos. Mas muitos republicanos, que apoiaram os acordos, se opõem a uma medida vinculada de ampliar um esquema que fornece ajuda federal para trabalhadores americanos que perderam o emprego por causa das importações. O governo ainda espera aprovar os acordos comerciais quando o Congresso voltar a se reunir neste mês. Mas, com a crescente campanha para a eleição presidencial de 2012, isso não pode ser garantido. O fracasso seria mais um exemplo do modo como as questões importantes para grande parte da América Latina – drogas e imigração, assim como comércio e Cuba – hoje são moldadas pela política interna. Depois que gângsteres incendiaram um cassino em Monterrey em 25 de agosto, matando 52 pessoas, o presidente do México, Felipe Calderón, criticou o fracasso dos EUA em conter o consumo de drogas e a venda de armas para as gangues. “Vocês também são responsáveis por esse ato de terrorismo”, ele declarou. Na verdade, Obama tem se mostrado mais disposto que seus antecessores a falar em “responsabilidade compartilhada” pelos problemas causados na América Latina pelo consumo de drogas em seu país. O governo reforçou a cooperação em segurança com o México, utilizando aviões teleguiados e agentes americanos ao sul da fronteira e permitindo que a polícia mexicana use o território americano como plataforma de lançamento para ataques de surpresa no sul. Ele apoiou a organizar uma conferência de doadores em junho, destinada a melhorar a segurança na América Central. Paga à Colômbia para fornecer treinamento para pilotos de helicóptero e policiais no México e na América Central.
Os EUA e o México trabalham mais intimamente para acelerar o comércio legal através da fronteira. No início deste ano, Obama finalmente permitiu que caminhões mexicanos trafegassem ao norte da fronteira. E os dois países trabalham juntos em muitas questões mundiais na ONU, diz Arturo Sarukhan, embaixador do México em Washington. Segundo ele, o relacionamento hoje é mais estreito do que em qualquer momento dos últimos 15 anos. Mas ainda há questões irritantes. A maior é a decisão de Obama de não ouvir o lobby das armas ao tentar renovar uma proibição da venda de certas armas semiautomáticas que perdeu a vigência em 2004. O governo teve de lutar duro para introduzir um requisito de que as lojas de armas ao longo da fronteira (são muitas) notifiquem o governo quando venderem mais de uma unidade para o mesmo comprador. Também mobiliza mais agentes para reprimir a lavagem de dinheiro no México, embora sobre isso “fomos mais lentos do que deveríamos ser”, admite uma autoridade. Enquanto os EUA são constrangidos por disputas domésticas, a America Latina muda depressa. Uma década de crescimento econômico, o comércio pujante com a China, democracias mais fortes e o advento de governos de centro-esquerda ajudaram a tornar a região mais assertiva. Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro que no Brasil, cujas relações com os EUA por muito tempo foram distantes e desconfiadas, como notou um recente relatório do Conselho sobre Relações Exteriores (CFR, em inglês), um grupo de pensadores. No ano passado, os dois países discordaram asperamente sobre as tentativas de o então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva mediar um acordo com o Irã sobre seu programa nuclear. Mas Obama fez uma visita bem-sucedida ao Brasil em março, e estaria se dando bem com a sucessora de Lula, Dilma Rousseff. O CFR reconhece que hoje há uma chance de os dois países construírem laços muito mais estreitos, apesar de seus interesses divergentes.